Dos estudos anatómicos à robótica, a Ciência pula e avança. Nos anos 60, a pílula liderou a revolução sexual. Há dez anos, o Viagra começou a elevar os ânimos masculinos. Seja a explorar a mente, a química ou as técnicas milenares, o lugar do sexo é no laboratório.
Se há coisa que tirou o sexo do armário foi a Ciência. Tornou-o tão natural como a sua sede. Fê-lo descer à terra ao mesmo tempo que lhe deu asas para voar. O sexo deixou de ser dos anjos. Passou a ser de todos e com cada vez menos tabus – apesar das controvérsias que acompanham qualquer avanço. Aumentar tamanhos e larguras, restaurar hímens, mudar de sexo, um sem fim de formas para evitar gravidezes indesejadas, prevenir doenças sexualmente transmissíveis, produtos para melhorar desempenhos. E ainda mulheres que viraram homens – e deram à luz. Mulheres que querem ser homens. Pénis que se erguem segundo o comando de substâncias químicas, órgãos sexuais mapeados ao milímetro. Ponto por ponto. Até ao famoso G. Até orgasmos confeccionados em laboratório. Pelo meio, as mezinhas vãs foram cortando caminho ao longo dos tempos, passo a passo com as promessas sérias.
Distante do tempo dos unguentos da avozinha, a internet anuncia um admirável mundo novo de soluções instantâneas. Milagres de trazer por casa. Bens e serviços para todas as necessidades e logros. Várias décadas antes da overdose de informação que obriga à separação minuciosa entre o trigo e o joio, isolavam-se outros dados decisivos. Uma vez encetada a descoberta do corpo e da mente, o caminho ficou meio palmilhado.
"A Anatomia foi toda definida no início do século XX, mas a Fisiologia evoluiu muito. Já entrámos na Fisiologia Molecular", aponta o médico urologista e mestre em Sexologia Nuno Monteiro Pereira. "Penso que de tudo, o mais significativo foi a criação da noção de género, por John Money, em 1950, por oposição à noção de sexo, de algo mais biológico. A compreensão da transsexualidade e intersexualidade gerou uma noção prática do que é a sexualidade nos tempos correntes. Mais tarde, já ao nível das disfunções sexuais, a compreensão de que as causas são quase sempre físicas e não psicológicas, como se acreditava".
A constatação das origens hormonais, vasculares e neurológicas viria a redundar no aparecimento de um comprimido "milagroso". Há dez anos, para muitos homens (e mulheres), a vida tornava-se mais azul. Em 1998 a Pfizer exorcizou o espectro da impotência – ou disfunção eréctil – por puro acaso. O Viagra, que funcionava como remédio para tratar a tensão alta, deu origem a um efeito colateral que elevou os ânimos – e não só – de uma larga franja da comunidade masculina: a erecção. Estava oficialmente aberta a caça da indústria farmacêutica à oferta de prazer. "Foi uma revolução farmacológica por actuar só quando é preciso. Mais do que isso, trouxe uma revolução cultural. Aquilo que era visto como uma vergonha passou a ser encarado como uma doença. Os homens confessam-se hoje muito mais aos médicos do que há dez anos", revela o médico.
Até certa altura, as confissões não passavam da macieza do divã mais famoso do Mundo. Sigmund Freud, médico neurologista, pai da Psicanálise, centrou as atenções no inconsciente, nos desejos e nas pulsões sexuais, principais propulsores do comportamento humano. Pelas suas teorias e processos terapêuticos gerou controvérsia na Viena do século XIX e arredores. Freud propôs uma mente dividida em camadas ou níveis, dominada por vontades primitivas escamoteadas sob a consciência e manifestadas nos lapsos e nos sonhos.
No final da década de 40, o espectro da omnipresença do sexo no quotidiano saltava do plano onírico para a vida real. Alfred Kinsey, autor do famoso "Relatório Kinsey", mergulhou de cabeça onde até então ninguém se atrevera sequer a nadar com bóias: o vale dos lençóis dos casais norte-americanos. E assim, através de uma série de entrevistas, publicadas entre 1948 e 1953, desvendou as suas aventuras e desventuras na cama.
Ainda em tempo de pecados mil, crimes e tabus, os temas que jamais haviam tido lugar à mesa puritana tiveram direito a cadeira. Masturbação, homossexualidade, posições sexuais, impotência, ejaculação precoce, fetiche, sexo oral, sexo anal, prazer, orgasmos múltiplos, clítoris. Em 1954, Bill Masters, fisiologista da Universidade do Missouri, nos EUA, iniciava um projecto de pesquisa que deu nomes aos bois. Criou um pénis de plástico com uma câmara no seu interior. O aparelho, instalado sobre uma cama, era acoplado a uma roda de ferro. Quando a mulher girava a roda, este descia, entrando numa parte da anatomia feminina que câmara alguma jamais havia filmado.
Masters foi ainda mais longe. Apesar das inúmeras acusações de perversão disfarçada de ciência, recrutou homens e mulheres casados, e perfeitos desconhecidos, que mantiveram relações sexuais monitorizadas através de sensores. Para o fisiologista, seduzido pelos mecanismos de prazer até então negligenciados, o sexo não passava de um acto natural passível de investigação científica. Bill Masters publicou as suas conclusões em co-autoria com Virginia Johnson, com quem, após anos a fio a discutir o sexo, acabaria por se casar.
Ainda em 1950, Ernst Gräfenberg, ginecologista e obstetra alemão, descobriu o ponto mais badalado da História: o ponto G, cuja trajectória explicativa ilustra a repressão em torno das pesquisas sobre prazer sexual. Morreu antes da fama. De resto, só em 1980 dois médicos, John Perry e Beverly Whipple, descobriram a ejaculação feminina, pondo fim à crença de que se tratava de incontinência urinária...
Depois de meio século de pesquisas, desenvolveu-se um arsenal variado para combater todos os males que afligem as camas do Planeta. Para questões mais comezinhas, fique a saber que elas e eles preferem os... golfinhos. Bem, pelo menos os vibradores em forma do simpático animal são o último grito na sex-shop Sete Pecados, em Sintra. E a julgar pela saída dir-se-ia que foi uma boa aposta: já esgotou. Os vibradores transparentes rivalizam em procura e em excentricidade. "Têm umas luzinhas psicadélicas que brilham num quarto a meia luz". Elisabete Moisés é a responsável pela loja de produtos eróticos e garante que quem compra mais os vibradores são os homens para dar às respectivas e "entrar na brincadeira". Já elas procuram mais os "cosméticos" e se pensa em maquilhagem desengane-se: são mesmo os lubrificantes, os óleos de massagem e os potenciadores sexuais. Uma coisa é certa: há muito mais à-vontade e desinibição na hora de comprar a pensar no prazer, algo impensável durante a primeira metade do século XX.
Só na segunda metade do século, quando os cientistas compreenderam melhor o funcionamento do ciclo menstrual e das hormonas que o controlavam, foram desenvolvidos os contraceptivos orais e os métodos modernos de monitorização da fertilidade.
Com a revolução sexual dos anos 60, o sexo abandonou de vez o rótulo de mero meio de reprodução. A chegada da pílula revirou o conceito de sexualidade. Deu carta branca ao sexo pelo sexo. Ao prazer pelo prazer. O Woodstock, o movimento hippie, a efervescência do movimento estudantil e o avanço do feminismo guindaram ao auge este marco incontornável na eliminação das angústias ligadas ao sexo.
"Foi o início de tudo, tornou possível a relação amorosa sem os riscos de procriação. Foi a libertação. O seu aparecimento coincidiu com uma mudança de valores e também contribuiu para ela. Uma mudança que também envolveu menos riscos por causa da pílula", esclarece o sociólogo Luís Recto. Para além disso, o especialista elege entre aquelas que foram as grandes mudanças de paradigma "medicamentos como o Viagra e o Cialis, que proporcionaram aos homens continuar a viver a sexualidade na terceira idade, na andropausa" - e, por outro lado, "os tratamentos pós-menopausa, com colagénio, para as mulheres". Desta maneira também elas podem continuar a viver a sexualidade em idade não fértil. "As pessoas passaram a viver melhor, deixaram de ter fantasmas, assumiram-se. Essas mudanças foram radicais e tiveram um impacto social geral", analisa. Quanto às mudanças de sexo "permitiram uma via de afirmação das minorias, de um grupo mais restrito".
Se à luz da marcha da evolução ocidental estes conceitos são relativamente imberbes, no Oriente têm longas barbas. Os taoístas chineses conhecem o poder do períneo, conjunto das partes moles compreendidas no espaço entre o ânus e os órgãos genitais, há três milénios. Árabes e indianos também tinham complexos manuais sobre sexo. Basta pensar no famoso "Kama Sutra" como fonte de sabedoria adoptada pelos ocidentais. Tratado em sânscrito, com lições sobre amor e sexo, foi escrito por volta do século III pelo indiano Mallanaga Vatsyayana. Os seus ensinamentos supunham que a felicidade no sexo dependia do conhecimento científico e por isso procurava ser didáctico.
Nas últimas décadas, os cientistas testaram em laboratório outras prescrições, como o sistema filosófico chinês simbolizado pelo símbolo do yin-yang. O fisiologista tailandês Mantak Chia é um dos autores que se tem destacado na difusão dessas técnicas sexuais. Juntamente com o escritor Douglas Abrams, ajudou a formular algo denominado de "kung fu sexual". Nada de pancadaria, antes "prática". A ideia fundamental é a de que todos, homens incluídos, são capazes de obter orgasmos múltiplos. Por sua vez, a recusa da ejaculação tem semelhanças com as técnicas indianas de sexo tântrico, propagadas por alguns mestres de ioga. Talvez uma possível explicação para o sucesso das técnicas orientais baseadas na "energia" resida numa outra aceitação: o sexo resolve-se na cabeça. E não entre as pernas.
Neste parágrafo elas têm o papel principal. "Antes não se investigava a sexualidade feminina. Ainda estamos a tentar perceber a função feminina. Há mistérios que nunca se resolverão. O homem é muito primário do ponto de vista biológico. A mulher é mais cerebral. Arranjar um fármaco como o Viagra, por exemplo, que se ajuste às suas características biológicas é muito mais complicado", defende Nuno Monteiro Pereira. A médio prazo é possível aguardar novidades. No caso masculino esperam-se "aperfeiçoamentos do que já existe". No caso da mulher, o grande desafio é descortinar "a variabilidade da sua sexualidade", acrescenta o especialista, que aposta em algumas conquistas. "Talvez apareça uma pílula masculina em cinco anos e a pílula da infertilidade, sempre com o recurso a técnicas mais elaboradas".
Face à evolução tecnológica e aos progressos na genética, os olhares debruçam-se sobre os limites da ética, numa época em que a ciência se preocupa até em tornar a vida sexual mais "verde". Numa lógica ecologista, preservativos e lubrificantes biodegradáveis, óleos de massagem orgânicos, brinquedos sexuais não tóxicos, afrodisíacos naturais, entre uma panóplia de apelativos gadgets, vão sintonizando as antenas dos amantes mais empenhados na conservação do Planeta. Há realidades, ou virtualidades, neste caso, com uma outra tonalidade. Basta pensar nas potencialidades (?) de universos paralelos como o "Second Life". Neste jogo são precisos poucos instantes para descobrir um novo mundo, ou submundo, repleto de lojas, clubes e ambientes dominados pelo sexo, onde se deslocam strippers e prostitutas e clientes sequiosos de animação com dinheiro "linden" nos bolsos. Tudo graças à tecnologia e à sofisticação dos softwares. E que dizer da possibilidade de a breve trecho podermos fazer sexo com robôs? As previsões apontam para 2050. "Já se sabe como quase tudo funciona. No futuro, tudo poderá ser possível, mas talvez não se deva fazer tudo", alerta Nuno Monteiro Pereira.
O corpo de constantes inovações também tem um calcanhar de Aquiles. Ele há Viagra nas farmácias, um sem fim de manuais que prometem o nirvana em cada página, terapeutas para dar e vender, mãos-cheias de investigadores rotinados na busca incessante pelo aumento do prazer da Humanidade, seja com o condão da química ou pelo restauro de técnicas milenares. E com todos estes esforços, a satisfação sexual tornou-se praticamente um imperativo. O orgasmo transitou de direito para obsessivo dever. Leonore Tiefer, reconhecida sexóloga norte-americana, e feminista, que baptizou Bill Masters de "Vasco da Gama da vagina interior", critica a herança daquele fisiologista, que navegou por mares nunca dantes navegados. Por uma razão muito simples. A confiança de Masters na biologia desaguou numa enorme pressão sobre as performances sexuais e pelo orgasmo a qualquer custo.
Felizmente, há um último reduto. "O aumento da capacidade de controlar o que é biológico não é proporcional ao controlo das emoções e sentimentos". "Aí nunca haverá controlo", conclui Nuno Monteiro Pereira. A falta de rédea neste capítulo, convenhamos, talvez seja razão para nos encher de alegria.
DESEJO TEM FÓRMULA E EXPLICAÇÃO
O desejo sexual é potenciado pela dopamina, um neurotransmissor indispensável na activação do impulso sexual – por exemplo, quando os beijos e as carícias provocam lubrificação vaginal e erecção. A dopamina é produzida pelo hipotálamo que provoca a libertação de testosterona, a hormona que desperta o desejo. É também muitas vezes responsável pela sensação de inquietação e desassossego, perda de apetite, euforia, insónia e o pensamento obsessivo de quem ama. Por outro lado, o amor é uma sensação de união que é reforçada pela presença de ocitocina, produzida pelo hipotálamo e armazenada na hipófise posterior. Esta hormona tem como função promover as contracções uterinas durante o parto e a ejecção do leite durante a amamentação.
MUDANÇA DE SEXO
A Cirurgia de Redesignação Sexual (CRS) é parte do tratamento da desordem do transtorno de identidade para transexuais e transgéneros. No Ocidente as cirurgias de redesignação sexual remontam a 1931. No passado dia 3, Thomas Beatie, que nasceu mulher, mas, por meio de terapias hormonais e cirurgias, mudou de sexo, deu à luz uma menina no Hospital de Oregon.
PÍLULA
A 18 de Agosto de 1960 foi lançado o contraceptivo oral nos EUA. A feminista Margaret Sanger e a milionária Katherine McCormick haviam desafiado os cientistas a inventar uma pílula contra a gravidez fácil de usar, eficiente e barata. Gregory Pincus aceitou o desafio. Hoje os métodos contraceptivos são muitos. À contracepção hormonal oral somam-se a injectável, o implante, o dispositivo intra-uterino, a contracepção cirúrgica, a de emergência, o preservativo e os espermicidas.
DISFUNÇÃO ERÉCTIL
Até à década de 70, o único tratamento oferecido para a disfunção eréctil eram as próteses de pénis e as bombas a vácuo. Nos anos 80, houve grande revolução com o surgimento das injecções administradas no pénis. O Viagra revolucionou o tratamento para disfunção eréctil de diferentes origens. Também recentemente, medicamentos por via sublingual (colocados sob a língua), supositórios para uretra, cremes e aerossóis foram desenvolvidos. Com resultados variáveis.
CIRURGIAS INTÍMAS
O assunto não é nem pouco mais ou menos pacífico entre os médicos. Mas o recurso à cirurgia estética íntima, uma aposta forte das economias emergentes, está cada vez mais em voga. É possível alongar e engrossar o tamanho do pénis, reconstruir o hímen ou reduzir o tamanho dos lábios vaginais. Tudo a favor do prazer.
Maria Ramos Silva/Marta Martins Silva, in Correio da Manhã Online, 13 Jul2008
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