Sexo, Tédio e Casamento


O seu casamento entrou na monotonia?
Existe um consolo: quase todos passam pelo mesmo ...

A comédia da vida privada não costuma ter muita graça para os protagonistas. Domingo à tarde, por exemplo, ele senta-se frente à televisão para assistir ao futebol, e ela, amuada, não pode abrir a boca. O domingo é só o prefácio de mais uma semana que se segue... De segunda a sexta, o casal troca algumas frases burocráticas pela manhã, de preferência antes de ele agarrar o jornal para ler. À noite, ela vê a novela e ele ronca no sofá. O marido faz uma observação mesquinha sobre o serviço doméstico e a mulher recita a cantilena de que ele só sabe reclamar, que não a elogia, que sempre foi ausente e que desta forma não dá. Na hora de dormir, cada um vira-se para seu lado na cama e o “boa-noite” protocolar encerra mais um dia de matrimônio.

Quem nunca passou por algo semelhante? Na verdade: em questões de casamento, o inferno é sempre o outro.

Acontece nos melhores contos de fadas. Fatalmente chega um dia em que se descobre que a pessoa que dorme no travesseiro vizinho, por quem o coração batia forte, se transformou num hábito.

Quando os cônjuges são maduros, se admiram, respeitam e se sentem razoavelmente atraídos um pelo outro, conseguem entender que há compensações muito boas na estabilidade. “A crise é um estalo de intolerância. Mas, quando se gosta da pessoa, a tolerância é maior".

A frustração com o casamento surge porque este existe para fornecer rotina, uma base sólida para a criação dos filhos e a manutenção da família, e não para proporcionar aventura (excitação).

Quando os sentimentos mais profundos não são colocados em pratos limpos, quando não se discute a relação, as "picuices" do dia-a-dia assumem uma dimensão maior do que a desejável. Acabam por transformar-se num ritual que só reafirma o tédio ou alimenta o poço dos ressentimentos. Muitas pessoas sustentam um casamento mau durante anos a fio porque têm medo de falar sobre o que está realmente errado. Acham que, se discutirem os problemas de relacionamento, o casamento acaba.

Talvez as pessoas façam isso não por insensibilidade ou deficiência emocional — mas talvez porque reconhecem a importância do casamento na organização da sociedade e das suas próprias vidas. A relação estável, de preferência monogâmica, não é a única forma de convivência entre os sexos, mas está sacramentada como a mais conveniente. Leis, religiões e a moral convencional estimulam o casamento e punem o adultério.

Este arranjo, no entanto, tem um aspecto muito realista, como as dietas alimentares. O que faz bem à saúde é a combinação de grelhados com saladas e grãos integrais, mas sonha-se secretamente com a saciedade da feijoada e do chocolate.

Só a experiência parece ser capaz de demonstrar que o casamento não é, nem pode ser, um eterno banquete. Muitas vezes em Terapia de Casal vemos que a maioria dos "pombinhos" apanham "um susto pós lua-de-mel". As pessoas pleneiam tudo nos mínimos detalhes até ao casamento e não se informam do que as aguarda depois.

Na tentativa de salvar as suas ilusões pré-matrimoniais, é comum que marido e mulher insistam em preservar uma imagem idealizada do parceiro, construída nos tempos de namoro. Essa imagem, acaba por se esmorecer ao longo da monotonia que vivem. Daí surge, muitas vezes, a desilusão.

Não podemos esperar que o casamento seja como a fase de namoro. As expectativas devem mudar com a convivência e a realidade. A volúptia do sexo electrizante, vivido nos primeiros tempos, está fadada a desaparecer da maioria dos casamentos. A boa notícia é que mesmo assim podemos continuar a viver.
Maridos e mulheres fiéis são aqueles que, colocados diante da opção, escolhem a estabilidade. Infiéis são os que, por falta de um elemento mais forte que os mantenha atados ao parceiro, cedem ao impulso da curiosidade.


Se a esta altura você já se pergunta se o seu casamento acabou, das duas, uma:
  1. ou ele já chegou ao fim, e você apenas está a adiar a hora de decretar a falência da instituição,

  2. ou então está na hora de encontrar uma maneira de salvá-lo.
Salvar o casamento é uma actividade de risco à qual se dedicam cada vez mais casais. Um casamento feliz é obra de "reengenharia" constante.

Os velhos truques sobre como manter “a chama acesa ” do sexo e da sedução andam fora de moda. Para fugir do tédio e manter o interesse pelo parceiro, devem-se fazer planos e renovar projectos comuns. Uma mudança na casa, uma viagem ao estrangeiro e até mesmo obrigar-se a sair regularmente com amigos são alguns dos conselhos dos Terapeutas de Casal.

Uma das grandes dificuldades do casamento é sincronizar as vontades. É um tormento quando um quer ir ao cinema e o outro quer ficar em casa; quando um quer ver televisão e o outro, ouvir música; quando um quer dormir e o outro quer fazer sexo".

Sincronizar as vontades exige que os dois aprendam a ceder, sem que isso configure uma derrota. O segredo é ser-se paciente e tolerante. Um bom casamento exige esforço, trabalho e empenho.

Um estudo realizado nos Estados Unidos, com 243 casais entre os 40 e os 13 anos de casados, relacionou as cinco estratégias mais utilizadas para manter uma união firme. São elas:
  1. "mimar" o parceiro, de vez em quando, com presentes inesperados;

  2. conversar sobre o relacionamento;

  3. dividir as tarefas domésticas;

  4. realizar actividades conjuntas;

  5. fazer planos para o futuro.


Corrida de obstáculos

As etapas do casamento que nem todos conguem - ou querem - superar:
1º ano - Os "pombinhos" contam as horas para voltar ao seu ninho, e a vida sexual é intensíssima. Para os casais mais jovens, no entando, essa face de encantamento costuma acabar por volta dos quatro meses de união. Como em geral ganham pouco e dependem dos pais para pagar parte das despesas, as contas mensais tornam-se motivo de ansiedade e discussão;
2º ano - Para muitos homens e mulheres que enfrentam problemas conjugais desde o início do casamento, completar um ano juntos é uma questão de honra. Sob os eflúvios das bodas de papel, eles vivem seis meses de calmaria, até que as desavenças voltam com toda a força. Ultrapassar o segundo ano de casamento pode ser um objetivo inatingível;
4º ano - Começam as maiores dificuldades porque, ao arrefecimento da paixão, somam-se o nascimento do primeiro filho, que "retira" o marido como centro das atenções da mulher, e a rotina desgastante. Surgem o que especialistas chamam de "ataques de individualidade". A frase mais ouvida nesse período é "Somos mesmo diferentes em tudo"
7º ano - A famosa crise dos sete anos é detonada pelos ressentimentos acumulados ao longo do tempo, que finalmente vêm à tona, e pela frustação das expectativas em relação ao parceiro. O tédio do dia-a-dia torna-se pesadíssimo para ambos. O terreno está fértil para que brote uma paixão extraconjugal
15º ano - É o momento em que marido e mulher fazem um balanço da vida a dois. Na passgem dos 40, eles olham o passado com a sensação de que desperdiçaram os seus melhores anos e vislumbram o futuro com angústia. A estrada comum pode encontrar uma bifurcação e cada um seguir para seu lado
25º ano - A meia-idade é um fardo, as perspectivas de mudança são praticamente nulas e os filhos já saíram de casa. Não é raro que o marido e a mulher se observem como dois estranhos. A frase que lhes vem à mente é: "Mas eu não me casei com esta pessoa". As picuices costumam crescer em progressão geométrica


As reclamações mais frequentes entre maridos e mulheres

Ele odeia quando ela:


  1. passa horas ao telefone
  2. quer ir ao cinema no domingo à tarde
  3. o obriga a ir ao supermercado
  4. demora a escolher a roupa para sair
  5. acha que o dinheiro dele é dos dois e o dela, só dela
  6. ataca a sua família porque ele brigou com a sogra
  7. grita com as crianças
  8. o acusa de ser um pai ausente
  9. quer discutir a relação
Ela odeia quando ele:
  1. deixa a toalha molhada em cima da cama
  2. acha que fez muito ao enxugar a louça do jantar
  3. passa a tarde de domingo a ver futebol
  4. reclama que ela está gastando demais
  5. banca o co-piloto quando ela está a conduzir
  6. convida alguém para jantar sem avisá-la
  7. quer resolver os problemas profissionais dela
  8. grita com as crianças
  9. não avisa onde está
  10. se recusa a discutir a relação


O fascínio e o risco da traição

Para os biólogos que estudam o assunto, a compulsão de trair, ou a negação da monogamia, é fruto do determinismo genético. Segundo estes pesquisadores, movidos pelo instinto de perpetuar a espécie, alimentado pela incontinência hormonal, os machos humanos teriam necessidade de distribuir os seus genes num grande número de parceiras. Já as fémeas, ao procurar outro macho teriam em vista encontrar um reprodutor de melhor qualidade. Pode até fazer sentido no laboratório, mas numa crise conjugal é prudente não sacar da cartola esta justificação ciêntífica.

Mais fácil é constatar que um casamento monótono, com déficit de felicidade e superávit de dificuldades, costuma ser a principal causa para a infidelidade, tanto de homens como de mulheres. É a velha história: eles querem mais sexo e elas, mais romance. Terapeutas Conjugais afirmam que, ao trair, homens e mulheres procuram acima de tudo experimentar fantasias difíceis de ser vividas nos arredores da relação conjugal.

Numa sondagem realizada nos Estados Unidos em 1994, 21% dos homens e 11% das mulheres admitiram ter traído o cônjuge pelo menos uma vez. Numa pesquisa recente sobre adultério, feita pela revista Newsweek, 70% das pessoas entrevistadas disseram que um caso extra-conjugal é sempre prejudicial ao casamento.

A infidelidade causa sempre dor quando revelada. Mas um casal bem estruturado pode assimilar uma escapadela eventual de um dos parceiros. Nesses casos, passado o susto, a parte traída faz um balanço do relacionamento antes de terminar, ou não, a relação.

É comum ouvir dizer que um affair extra-conjugal pode servir para "apimentar" um casamento morno. Trata-se de um argumento discutível, mas não há dúvida de que viver perigosamente é para muitas pessoas bastante excitante.


Adaptado do original de Mario Sabino, Revista Veja Reportagem, 23Out1996

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