Manuela Ferreira Leite acusada de discriminação



A Associação ILGA considera que a dirigente social-democrata Manuela Ferreira Leite fez declarações discriminatórias, numa entrevista concedida terça-feira à TVI, e pretende que os «restantes partidos clarifiquem se também querem discriminar».

Em nota de imprensa, a ILGA Portugal - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero afirma que Manuela Ferreira Leite «admitiu sem hesitações que discriminava gays e lésbicas, defendendo a manutenção do "apartheid" legal no acesso ao casamento civil».

Na terça-feira à noite, numa entrevista à TVI, a primeira desde que foi eleita presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite disse aceitar as ligações homossexuais mas estar contra o seu reconhecimento como casamento.

«Eu não sou suficientemente retrógrada para ser contra as ligações homossexuais, aceito-as, são opções de cada um, é um problema de liberdade individual sobre o qual não me pronuncio. Pronuncio-me, sim, sobre o tentar atribuir o mesmo estatuto àquilo que é uma relação de duas pessoas do mesmo sexo igualmente ao estatuto de pessoas de sexo diferente», disse a presidente do PSD.

«Admito que esteja a fazer uma discriminação porque é uma situação que não é igual. A sociedade está organizada e tem determinado tipo de privilégios, de regalias e até de medidas fiscais no sentido de promover a família como algo que tem por objectivo a procriação. É uma realidade. Chame-lhe o que quiser, não chame é o mesmo nome. Uma coisa é casamento, outra coisa é qualquer outra coisa», acrescentou.

Reagindo a estas declarações, a direcção e o grupo de intervenção política da ILGA, que assinam o comunicado, sublinham que a Constituição proíbe a discriminação com base na orientação sexual desde 2004 - «aliás, a revisão do artigo 13º (Princípio da Igualdade) fez-se com os votos favoráveis do PSD» - pelo que «não é possível manter por isso um "apartheid" legal como o que Manuela Ferreira Leite defende».

A ILGA assinala ainda que «Manuela Ferreira Leite, que se apresenta como conhecedora de aspectos fiscais, parece ignorar que a Lei de Uniões de Facto de 2001 - que abrange casais de pessoas do mesmo sexo - concede exactamente o mesmo estatuto fiscal a unidos de facto e a cônjuges, pelo que as famílias constituídas por casais de pessoas do mesmo sexo já usufruem das referidas "medidas fiscais"».

A presidente do PSD «parece julgar que existe uma única família a promover. Esperamos que se aperceba rapidamente de que existem muitas famílias em Portugal e que, se tem como objectivo que o seu partido se apresente como uma alternativa de governo, terá que contar com o apoio de muitas delas. Seria também importante compreender que o casamento não implica procriação e que a procriação não implica casamento», adianta a ILGA.

Quanto à posição de Manuela Ferreira Leite acerca da designação a usar para a união de duas pessoas do mesmo sexo, a Associação diz que é comparável ao que sucedeu no alargamento do casamento a escravos.

«Porque estes viriam sujar o nome do casamento, optou-se por um nome diferente: "contubérnio". Como Manuela Ferreira Leite partilha esta ideia de que, tal como os escravos, lésbicas e gays não são cidadãs e cidadãos de pleno direito, o nome do casamento para escravos será talvez o que melhor se adequa à sua visão do mundo», escreve a Associação na nota de imprensa.

Para a ILGA, «a imagem de alternativa política para o país» que a líder social-democrata «tenta construir também não se coaduna com a promoção da desigualdade, ao arrepio dos movimentos que atravessam os países mais desenvolvidos, a começar pela vizinha Espanha» e as suas declarações «vêm provar uma vez mais que fracturante não é a reivindicação de igualdade; fracturante é a discriminação».

Também em reacção às declarações de Manuela Ferreira Leite, o presidente da associação Opus Gay, António Serzedelo, afirmou hoje à Lusa que «existe uma diferença entre o matrimónio e o casamento» e que «o que Manuela Ferreira Leite não entende é que as pessoas não se casam só para ter filhos mas porque amam o seu parceiro».

«O mais importante é antes de tudo a concessão de direitos aos casais. O que acontece hoje é que se tem direitos sem a atribuição do nome casamento, embora seja muito importante para nós ter esse reconhecimento», acrescentou o dirigente da Opus Gay, uma organização cívica de carácter social criada para promover a solidariedade entre todos os membros da comunidade gay, lésbica, bissexual e transgénero.


in, Diário Digital / Lusa (03JUL08)

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